sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Porque eu NÃO curto Montessori - parte I

Promessas são dívidas. Há algum tempo prometi a algumas amigas escrever sobre o porquê de eu não ser super fã de Maria Montessori, uma pensadora/educadora cujos pressupostos estão moda nos dias de hoje. Quarto montessoriano, cantinho montessoriano, escolas montessorianas, todo mundo tem tentado, de alguma forma, seguir os preceitos da autora e, de alguma forma, isso tem se tornado quase uma ligação obrigatória entre as pessoas que praticam criação com apego. Ou é Montessori, ou Waldorf, não sei qual é o pior (hahaha :P), mas fato é que a filosofia da falsa liberdade e democracia presente na teoria tem retornado com tudo, mesmo ela tendo sido um grande fracasso na História da Educação...e junto com ela retornam os conceitos de escola livre, ganham força as pessoas que buscam a escolarização domiciliar, o pêndulo atinge outro extremo educacional.

Ok, esse monte de coisa que estou falando exigem alguns conhecimentos prévios e confesso que passei um bom tempo pensando em como falar sobre este tema, em quais aspectos focar. Achei que seria interessante falar em três pontos principais: 1) As abordagens ao desenvolvimento e à aprendizagem que existem; 2) os pressupostos montessorianos; 3) o viés de onde falo, a abordagem sócio-histórica. Ainda não sei se vou abordar cada ponto desses de forma isolada, talvez seja impossível, mas vamos ver como a coisa anda... :)
Pois bem, em Psicologia da Educação costuma-se defender que existem três abordagens ao desenvolvimento e à aprendizagem (e suas relações). Cada uma delas traz um conceito geral de aprendizagem, de desenvolvimento e como eles se relacionam; elas nascem de concepções filosóficas anteriores à Psicologia e dão origem/embasamento a diferentes teorias psicológicas e educacionais. Seber (1995) denomina as três posições como: inatista-maturacionista, empirista-associacionista e construtivista (eu, particularmente, prefiro utilizar o termo interacionista, uma vez que o construtivismo faz menção apenas à teoria de Piaget, seus colaboradores e sucessores).  
A posição inatista-maturacionista, como o próprio nome traz, dá uma forte ênfase ao processo de maturação (crescimento e desenvolvimento físico/biológico) e ao que já nasce com o sujeito (que é inato). Deste modo, os defensores desta posição entendem que a criança já nasce com o necessário para o seu desenvolvimento, sendo importante apenas um ambiente propício para que ela "desabroche" e ausência de conflitos. Aprendizagem e desenvolvimento são processos que se confundem, pois eles seriam, de certa forma, naturais, andando de mãos dadas com a maturação. A criança cresce e, havendo um ambiente propício, se desenvolve e aprende. Costuma-se utilizar a metáfora da planta como analogia: uma semente contém todo o necessário para virar uma planta, certo? Entretanto, ela só vira uma planta se for colocada em condições propícias (solo, iluminação, irrigação...). A criança seria essa sementinha, o adulto/professor seria um espectador, alguém que não intervém, apenas propicia um ambiente adequado, resolve possíveis conflitos, mas deixa a criança livre para se desenvolver, crescer. Essa posição está conectada a alguns termos/teorias educacionais: escola livre, escola centrada no aluno, escola nova, escolanovismo...
A posição empirista-associacionista, cuja definição também se encontra no nome, acredita que o indivíduo nasce como uma "tábula rasa" e que os conhecimentos serão impressos ao longo da exposição do sujeito ao meio externo. Aqui o sujeito é reflexo absoluto dos estímulos que recebe e é visto como um ser passivo, que apenas responde a esses estímulos. O desenvolvimento é entendido como uma soma de aprendizagens e a aprendizagem, por sua vez, é entendida como a troca de resposta por uma mais elaborada. Os defensores desta posição entendem que todo o comportamento é aprendido e que o foco deve estar naquilo que a gente pode observar/controlar. Sentimentos, estados internos, subjetivos, são importantes, mas como não podem ser controlados a gente deve observar a situação em que eles surgem, os reforços que eles recebem e a partir daí modificar o meio externo, alterando a nossa resposta em relação ao meio e, eventualmente, o estado interno associado ao comportamento. Aqui funciona, basicamente, o famoso S-O-R (estímulo-organismo-resposta): o sujeito é confrontado com um estímulo, ele responde ao estímulo, e a resposta é fortalecida por um reforço positivo - se a resposta é inadequada ela não é reforçada OU reforçam-se respostas aproximadas à desejada, até que o comportamento seja modelado. Utiliza-se aqui a metáfora da máquina como analogia, uma vez que os dados seriam inseridos, recombinados e, por fim, haveria um output. Dados "errados" geram respostas erradas. Mas, para aproximar da criação, um bom exemplo é a Super Nanny...aqueles quadros de recompensa que ela aplica nada mais são que reforços aos comportamentos desejados (como 'não chorar sem motivo', por exemplo). Essa posição está conectada a alguns termos/teorias educacionais: pedagogia tecnicista, escola técnica, tecnicismo, behaviorismo...
Por fim, existe a posição interacionista, que acredita que os processos de desenvolvimento e aprendizagem são interligados, interdependentes, mas não são os mesmos. O desenvolvimento é muito mais do que aprendizagem, apesar dele ser motivado por ela. Aqui o indivíduo é entendido como um ser constrói ativamente a sua aprendizagem e desenvolvimento, em interação com o meio em que vive, com os objetos de conhecimento e com as pessoas. Não seríamos vítimas da nossa maturação, tampouco reflexos absolutos do meio externo, mas constituídos mutuamente por nossa natureza, meio social e história. Muitos autores colocam as abordagens de Piaget e de Vigotski nessa posição, entendendo que o primeiro dá mais ênfase ao desenvolvimento, ao passo que o segundo daria mais ênfase à aprendizagem. Isso é um debate que fica para outro momento, mas eu não encaixo os dois autores em um mesmo saco (ao menos não mais :P). De qualquer forma, o importante aqui é entender a interação como parte constituinte do sujeito. Termos que podemos encontrar ligados à essa posição (alguns deles são discutíveis ;P): construtivismo, sócio-interacionismo, sócio-histórico...
Cabe ressaltar que cada posição dessas enfatiza uma CONCEPÇÃO psicológica de sujeito e isso é diferente de estratégia! Por exemplo, você não pode, a priori, dizer que a estratégia de dar recompensa faz de uma pessoa um 'empirista-associacionista'. Você pode desconfiar, por ser uma estratégia característica daquela posição, mas o que vai dizer qual concepção de um professor/educador é o porquê dele utilizar aquela estratégia, pois as situações de aprendizagem são planejadas em função de uma concepção de aprendizagem, né? Você só ensina algo do jeito que você acha que a pessoa vai aprender, afinal, para que ensinar se não for para aprender? ;) Trocando em miúdos: se eu acho que alguém aprende por repetição/memorização, vou passar um monte de exercícios similares; agora, passar um monte de exercícios é uma estratégia, que pode ser utilizada por outras abordagens, e a 'aprendizagem como processo de associação/repetição' seria a concepção de aprendizagem. Isso vai ser bem importante quando eu for pontuar os elementos da teoria montessoriana na parte II...e, vai ficar para amanhã, porque cansei por hoje :D

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